23 de agosto de 2012
(quinta-feira)
Wildes
Barbosa
O padre Francesco Cavazzuti relembra,
em entrevista exclusiva ao POPULAR, o encontro com seu algoz, e diz que
atentado foi contra a diocese. “Eles, os proprietários de terra, ficaram com
raiva de mim e falaram: ‘Tem de tirar esse falador daí senão estraga
tudo’.”
Que avaliação o senhor faz desse
processo todo 25 anos depois?
Examinando as coisas não apenas do
ponto de vista social, mas do ponto de vista da fé Deus entrou de cheio nessa
história. Ele não permitiu que se realizasse o plano dos homens que era matar.
Deus salvou minha vida. Foi como se dissesse: “Eu sou dono da vida, não vocês”.
E fez mais nesse ato de amor: acrescentou 25 anos para continuar a trabalhar na
missão que ele me confiou quando fui ordenado padre, pastor da Igreja Católica.
Então, chegou a visitar o Marcelino
Antônio, o homem que atirou no senhor? Foi um encontro difícil?
Foi em Mossâmedes, antes da
transferência para a cadeia em Goiânia. Terminei de celebrar a missa e saindo,
estava de mãos dadas com um jovem e eu disse que gostaria de visitar o
Marcelino na cadeia. Já no corredor, diante da cela, eu o cumprimentei, ele
respondeu e depois me disse: “Sinto muito ter cegado o senhor. Eu devia matar.
Me pagaram para isso”. Aí segurei a mão dele e disse que ele tinha me feito um
mal muito grande que levaria para a vida toda, mas o perdoava. E disse que de
mim ele não poderia ter medo, porque não arrumaria ninguém para fazer vingança
e até chamei para tomar um café juntos, mas lembrei que a lei civil, a lei do
país, ele teria de enfrentar. Segundo o jovem que estava comigo, ele voltou
para a cama, abaixou a cabeça e disse: “Padre, não venha mais aqui”.
Foi muito difícil a perda física
sofrida pelo senhor?
Sim, a perda das vistas foi um problema
muito sério, mas depois de um certo tempo passei a reconhecer os lugares onde
morei, as ruas e as casas. Em Mossâmedes quase sempre andava sozinho. Ao longo
do caminho encontrava crianças que me acompanhavam.
Na época, o Marcelino alegou que tinha
atirado porque o senhor se negou a batizar os filhos dele. Como o senhor
analisa essa versão.
O atentado foi pela vida pastoral da
diocese. Eu acredito que por força das orações da igreja, na justiça do
Evangelho e obrigação da igreja de realizar na medida do possível de realizar
essa justiça para mostrar que o reino de Deus chegou. E foi essa pregação da
justiça que irritou essas pessoas. Eles, os proprietários de terra, ficaram com
raiva de mim e falaram: “Tem de tirar esse falador daí senão estraga tudo”. Por
isso inventaram três processos contra mim - um em Jussara, outro de Goiás e
outro em nível federal - e a acusação era sempre a mesma: eu era comunista,
subversivo e revolucionário. Meu advogado disse ao acusador que se eu era
comunista, tinha que mostrar a carteirinha do Partido Comunista. Era uma
acusação sem provas.
Nesses 25 anos o senhor acompanha esses
fatos? O que aconteceu com a pessoa que atirou no senhor?
Sim. O pistoleiro, condenado a 12 anos,
ficou quatro anos na cadeia e foi solto por bom comportamento. Ele foi para
Rondônia e me contaram que comprou uma grande fazenda com o dinheiro que
recebeu para me matar. Pagaram muito bem. Não temos provas, mas falamos para a
polícia que tinha sido os mandantes, eles foram ouvidos, mas nunca incomodados.
Nesses 25 anos a Igreja Católica mudou
muito. A Renovação Carismática Cristã avançou assumindo o lugar das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs). Como o senhor analisa isso?
Eu tenho conhecimento de que certos
setores da Igreja Católica no Brasil foram calados, pediram para ficarem mais
quietos. Se conseguiram calar algumas hierarquias, os leigos não. Muitos que
aprenderam conosco, nas CEBs, a justiça pelos mais pobres, eles continuam
fazendo. Há uma lista de jovens em Goiânia, Mossâmedes, Sanclerlândia e Goiás
que continuam nessa caminhada, graças a Deus. Continuam fazendo a justiça pelos
mais pobres. A semente não morreu, continua brotando. É preciso que a justiça
se torne o ideal desse mundo, o fermento da política, dos sindicatos, do
trabalho para o bem do povo. Não tem justiça, não tem evangelho. Nós temos o
comando do Cristo, filho de Deus, não de um Karl Marx qualquer. Eu sou
revolucionário, sim, não em nome de Karl Marx, de Lênin, de Stálin, de Mao Tsé
Tung. Não me interessa esses homens, mas Cristo sim.
A Renovação Carismática hoje tem um
papel muito forte dentro da Igreja Católica.
Eu não gosto muito desses movimentos
porque me parecem espirituais demais porque o homem não é feito só de espírito,
mas também de matéria. E temos que tomar conta dos dois na mesma hora. Nós
também damos valor à oração, ao espiritual, aos sacramentos, mas não paramos
aí. Sabemos que tem gente que precisa comer para viver. Primeiro tem que matar
a fome. As pessoas têm necessidades físicas e espirituais. Acho o trabalho da
Renovação Carismática limitado. Nós não ficamos só no material, mas demos
importância a ele porque era necessário para o espiritual continuar. Nosso povo
é religioso e as pessoas precisam rezar, mas não é só, também precisa comer.
Deus sabe que as pessoas precisam da oração, mas não podem esquecer do corpo.
Como está sua vida em Carpi?
Aos domingos e sábados ajudo os
vigários em paróquias maiores, onde tem apenas um padre. Vou celebrar, fazer
pregações, fazer palestras e confessar. Graças a Deus ainda tem muita gente que
vai pedir perdão a Deus pelos seus pecados porque reconhece que tem falhas e
precisa se livrar deles.
O senhor acha que a luta pela terra
avançou no Brasil?
Sim. Eu mesmo tive a satisfação, antes
de sair de Itapirapuã, de ver assentadas cem famílias que viviam em barracas na
periferia. As famílias estão lá unidas e algumas já construíram suas casas,
estão tirando o seu sustento da terra.
O atentado não foi em vão?
Não. A luta pela justiça nunca é em vão
(choro).
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