terça-feira, 20 de novembro de 2007

20 de novembro dia da Consciência Negra!

Diga não ao preconceito racial! denuncie qualquer discriminação.
O preconceito ainda é forte em nosso país por isso não podemos calar.
Hoje é um momento forte para celebrarmos a resistêcia do povo negro.

Marcelo Barros *

Fontes - Adital
Nesta semana, ao recordar o martírio de Zumbi dos Palmares, que, no dia 20 de novembro de 1697, deu a vida pela liberdade do povo negro e para que nunca mais nenhuma pessoa humana seja escravizada, grupos sociais de todo o Brasil se unem para celebrar a valorização da negritude e a contribuição das culturas afro-descendentes para o nosso país. O Dia da União e Consciência Negra nos remete à riqueza de uma sociedade pluralista, na qual a originalidade de cada cultura seja não só respeitada, mas possa contribuir com o conjunto. Zumbi dos Palmares não é herói apenas dos que se reconhecem negros e sim de todo o povo brasileiro. Ele e todos os que lutaram pela liberdade e igualdade dos seres humanos possibilitaram que o Brasil se reencontre finalmente com sua alma negra e possa assumir o fato de ser, mais do que qualquer país africano, a pátria da maior população negra do mundo.
Infelizmente, mais de 300 anos depois do martírio do Zumbi, as pesquisas oficiais confirmam: o Brasil branco continua sendo 2,5 vezes mais rico que o Brasil negro. Apesar das políticas sociais do governo terem conseguido tirar mais de oito milhões de brasileiros da miséria, as diferenças entre negros e brancos não têm diminuído. Os negros chegam a ser 64% da população brasileira mais pobre. Enquanto esta realidade não for transformada, a lei que proíbe o racismo continuará sendo, na prática, desrespeitada. A sociedade mantém a máscara do respeito à igualdade de todos, mas se organiza de forma que os negros continuem social e economicamente discriminados. Eles vivem esta experiência há mais de cem anos, quando foram "libertados" da escravidão, sem qualquer indenização, nem política social que permitisse o mínimo de integração social aos ex-escravos, jogados à rua, sem casa, sem trabalho e sem nenhum direito social.

Desde a Conferência da ONU contra o racismo em Durban (África do Sul, 1991), cresce no mundo a idéia de exigir "indenização pelos anos de escravidão" e formular "uma política de reparação pelas injustiças sofridas". O mundo pagou indenização aos judeus pelo que sofreram nos anos do holocausto nazista. Governos de países latino-americanos que torturaram pessoas e assassinaram militantes em épocas de ditadura aceitam pagar indenizações às famílias pelo que os seus pais e avós sofreram. Entretanto, até aqui nenhum dos países que se enriqueceram com o seqüestro e a escravidão dos irmãos e irmãs da África aceitam restituir um pouco do que roubaram a estes povos, hoje, empobrecidos e em situações de grande carência. Ao contrário, governos e empresas de países da Europa, como também dos Estados Unidos continuam explorando diamantes e petróleo de vários paises africanos através da mão de obra quase escrava e da conivência de governos corruptos que se enriquecem à custa da miséria de seus cidadãos.

Tudo o que pode favorecer a superação de quaisquer preconceitos e discriminações deve ser apoiado para que consigamos construir relações em que as pessoas se enriqueçam com os diferentes e as diferenças. Neste assunto, ainda temos longo caminho a percorrer. No Brasil, a atual política de cotas nas escolas ou em certos trabalhos públicos tem defeitos e não atinge a raiz dos problemas, mas provisoriamente, pode ajudar a que a população negra e seus descendentes tenham mais condições de acesso à sociedade na qual sempre foram discriminados. O jornal Valor dedicou a capa do seu suplemento semanal de fim de semana ao fato de que a Universidade Zumbi dos Palmares, que tem 87% de seus alunos negros, formou sua primeira turma (ela foi criada em 2003). Conforme o jornal, a maioria destes 126 alunos, formados em Administração de Empresas e Direito, já se submetem a concursos e exames de admissão em empresas nacionais e internacionais. O resultado está sendo um excelente índice de aprovação (Cf. Valor, 09- 11/11/ 2007).

É importante este reconhecimento do talento de tantos jovens que, antes eram praticamente impedidos de aceder à universidade e a certos empregos simplesmente por serem negros e pobres. Entretanto, esta integração só vale a pena se, para ser incluídas na sociedade, as pessoas não precisem renunciar a sua identidade original e quase deixar de ser negras. Ora, um dos grandes valores das culturas afrodescendentes é justamente não se privar de sua liberdade em função das conveniências do mercado. O que toda sociedade brasileira pode aprender de muitas comunidades negras é que o sentido da vida é possibilitar a todos condições de se humanizar na convivência uns com os outros e na valorização dos elementos mais gratuitos da vida, como o lazer, a arte e a busca espiritual.

Sobre isso, as Igrejas cristãs têm uma dívida moral com as culturas e religiões negras. Se no passado, diversas Igrejas condenaram e perseguiram estas formas de fé, atualmente, o Conselho Mundial de Igrejas, que reúne 340 confissões cristãs, afirma que ninguém pode, em nome do Evangelho, negar o direito das comunidades negras ou indígenas de ter suas tradições espirituais próprias e autóctones, como não se pode menosprezar sua forma de crer e cultuar a Deus.

Zumbi não conseguiu o fim da escravidão, menos ainda a superação do racismo. Mas, sua história e seu exemplo nos ajudam a prosseguir o caminho da liberdade e a lutar contra qualquer tipo de discriminação e injustiça. Ainda hoje, milhares de brasileiros/as cantam com convicção: "Ei, ei, Zumbi, Zumbi, ganga meu rei, você não morreu, você está em mim...".

Semi-Árido: o mais chuvoso do planeta

* Leonardo Boff, teólogo.

O romancista Graciliano Ramos, o pintor Di Cavalcanti e o cantor-sanfoneiro Luis Gonzaga nos acostumaram a associar o semi-árido nordestino à seca. Mas se trata de uma visão curta e parcial. Os últimos anos conheceram notável mudança de leitura. Estudos minuciosos e trabalhos consistentes suscitaram uma visão revolucionária. Fala-se menos de seca e mais de Semi-Árido com o qual se deve conviver criativamente. Nesta tarefa ganham relevância ONGs, comunidades eclesiais de base, a Articulação do Semi-Árido (ASA) que inclui 800 entidades ao redor do projeto "um milhão de cisternas" (já se construíram 200 mil) e o Movimento de Organização Comunitária (MOC) de Feira de Santana-BA que atua em 50 municípios. O melhor apanhado desse processo prático-teórico nos é oferecido pelo exímio conhecedor da bacia do São Francisco, Roberto Malvezzi, com seu livro "Semi-Árido: uma visão holística" (Pensar o Brasil 2007). O eixo central é entender o Semi-Árido como bioma e a estratégia consiste na convivência não com a seca, mas com o Semi-Árido.

Tal bioma, chamado caatinga, recobre uma área de 1.037.00 km quadrados com rica biodiversidade. Na época da seca quase tudo hiberna. Mas basta chover, de setembro a março, para, em alguns dias, tudo ressuscitar com um verdor deslumbrante. Não há falta de água. Como média caem 750 mm/ano. É o Semi-Árido mais chuvoso do planeta. Mas pelo fato de o solo ser cristalino (70%), impedindo a penetração da água, acrescentando-se ainda a evaporação por insolação, perdem-se anualmente cerca de+ 720 bilhões de litros de água. Recoletada, seria mais que suficiente para toda a região.

A estratégia da convivência com o Semi-Árido "visa a focar a vida nas condições socioambientais da região, em seus limites e potencialidades, pressupondo novas formas de aprender e lidar com esse ambiente para alcançar e transformar todos os setores da vida". Com efeito, os vários grupos que por lá atuam, utilizam o método Paulo Freire que consiste, fundamentalmente, em criar sujeitos ativos, autônomos e inventivos. Assim aprendem a aproveitar todos os recursos que a caatinga oferece, utilizando tecnologias sociais de fácil manejo com o propósito de garantir a segurança alimentar, nutricional e hídrica através da agricultura familiar e de pequenas cooperativas.

Entre muitos, três projetos são notáveis: o da construção de um milhão de cisternas de bica que recolhem água da chuva dos telhados, conduzindo-a diretamente para o reservatório de 16.000 litros hermeticamente fechado. O outro é "uma terra e duas águas" (o "1+2"): visa garantir a cada família uma área de terra suficiente para viver com decência, uma cisterna para abastecimento humano e outra para a produção. Por fim, o Atlas do Nordeste, proposta da Agência Nacional de Águas para beneficiar 34 milhões de nordestinos do meio urbano, custando a metade da transposição. Esse projeto se opõe à transposição, qualificada como "a última obra da indústria da seca e a primeira do hidronegócio".

Os referidos projetos, se implementados, custarão muito menos, atenderão a mais gente e não causarão impactos ambientais. Por fim, cito duas outras iniciativas do MOC: o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), oferecendo educação contextualizada às crianças e o Baú da Leitura. São baús cheios de livros que percorrem as comunidades entretendo as pessoas com leituras, interpretações e teatralização, fazendo o povo pensar. De fato, o ser humano não nasceu para passar fome, mas para irradiar, como diz um de nossos poetas-cantadores.

*Leonardo Boff é teólogo e professor emérito de ética da UERJ