Pesquisador do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios – CSEM
O enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de
exploração sexual e trabalho escravo tornou-se uma das prioridades da pauta de
numerosos governos, organismos internacionais e organizações
não-governamentais. No mundo contemporâneo é inadmissível que continue esta
prática hedionda de mercantilização de seres humanos. No entanto, os números
oficiais da Organização Internacional do Trabalho falam em 20,9 milhões de
vítimas encontradas no mundo inteiro, sendo que o número efetivo deve ser muito
superior.
A região da Ásia-Pacífico apresenta o maior número
de pessoas reduzidas à condição análoga à escravidão, com cerca de 11,7 milhões
(56% do total), seguido pela África (18%), América Latina (9%) e o Leste
europeu (7%). Mas não é apenas um problema dos países em desenvolvimento. Nos
EUA, Japão, Canadá, Austrália, Noruega e Países da União Europeia, o número de
vítimas chega a 1,5 milhão, cerca de 7% do total.
As vítimas são pessoas sujeitas a empregos impostos
através de coação ou de fraude, dos quais elas não podem sair. Conforme um
recente relatório da União Europeia, "mulheres e homens, meninas e meninos em
situação de vulnerabilidade são vítimas de exploração sexual ou de trabalho,
remoção de órgãos, mendicância forçada, servidão doméstica, casamentos
forçados, adoções ilegais ou outras formas”. O crime mais comum é a exploração
sexual (76%, em 2010), seguido pela exploração do trabalho (14%). No entanto, sobretudo
no continente asiático, cresce muito também o tráfico de crianças para fins de
mendicância (3%) e de mulheres para servidão doméstica (1%).
Apesar dos discursos oficiais, dos numerosos
relatórios elaborados e das políticas públicas implantadas para o
enfrentamento, tem-se a impressão de que as sociedades contemporâneas tenham
certa tolerância ou omissão sobre a questão do tráfico. Por vezes questões
culturais e econômicas acabam legitimando práticas consideradas injustas, mas
que, no fundo, "sempre existiram e sempre continuarão existindo”. Em outros
termos, a erradicação do tráfico não implica apenas a libertação de pessoas
escravizadas, mas se fazem necessárias complexas e profundas mudanças de
práticas e cosmovisões culturais, bem como uma redefinição da racionalidade
econômica.
Por outro lado, há também um complexo debate acerca
das definições teóricas de "trabalho análogo à escravidão” ou acerca da
distinção entre "tráfico de pessoas para fins de exploração sexual” e "livre
prostituição”. Essas indefinições semânticas, por vezes, acabam dificultando a
elaboração de políticas de enfrentamento e, principalmente, a identificação das
vítimas.
Outro fator que prejudica o enfrentamento é a
instrumentalização da luta contra o tráfico de pessoas com vistas a outras
finalidades: às vezes, em nome da proteção das vítimas ou da luta contra o
crime organizado legitimam-se a implantação de políticas imigratórias
restritivas, confundido, propositalmente, traffickinge smuggling; outras vezes, utiliza-se
o tráfico para desacreditar outros países, apresentando-os como origem ou meta
de ingentes fluxos de pessoas traficadas ou como países indiferentes à
problemática.
A impunidade também é frequentemente considerada
como um fator que alimenta a prática do tráfico e, inclusive, a tolerância ou
indiferença social em relação a este crime. Não é por acaso que nos últimos
anos, no Brasil, várias empresas de ampla difusão nacional e internacional
tenham sido acusadas de utilizar trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Finalmente, diante deste cenário muito pouco
promissor, torna-se prioritário trabalhar na redução da vulnerabilidade das
possíveis vítimas, tanto através da educação e da informação, quanto mediante a
oferta de oportunidades para uma vida digna. Esta é também a opinião de irmã
Estrella Castalone, da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, que há anos
luta contra o tráfico: "Trata-se de propor não apenas de ‘sair’ do tráfico, mas
de dar oportunidades para que melhorem as condições de vida nas aldeias e nas
cidades, para que os pais e as famílias possam ‘proteger’ seus filhos”.
[Fonte: Resenha 87].
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