quinta-feira, 12 de julho de 2012

Tráfico de Pessoas: é possível combater?

Por Roberto Marinucci
Pesquisador do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios – CSEM


O enfrentamento ao tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e trabalho escravo tornou-se uma das prioridades da pauta de numerosos governos, organismos internacionais e organizações não-governamentais. No mundo contemporâneo é inadmissível que continue esta prática hedionda de mercantilização de seres humanos. No entanto, os números oficiais da Organização Internacional do Trabalho falam em 20,9 milhões de vítimas encontradas no mundo inteiro, sendo que o número efetivo deve ser muito superior.
A região da Ásia-Pacífico apresenta o maior número de pessoas reduzidas à condição análoga à escravidão, com cerca de 11,7 milhões (56% do total), seguido pela África (18%), América Latina (9%) e o Leste europeu (7%). Mas não é apenas um problema dos países em desenvolvimento. Nos EUA, Japão, Canadá, Austrália, Noruega e Países da União Europeia, o número de vítimas chega a 1,5 milhão, cerca de 7% do total.
As vítimas são pessoas sujeitas a empregos impostos através de coação ou de fraude, dos quais elas não podem sair. Conforme um recente relatório da União Europeia, "mulheres e homens, meninas e meninos em situação de vulnerabilidade são vítimas de exploração sexual ou de trabalho, remoção de órgãos, mendicância forçada, servidão doméstica, casamentos forçados, adoções ilegais ou outras formas”. O crime mais comum é a exploração sexual (76%, em 2010), seguido pela exploração do trabalho (14%). No entanto, sobretudo no continente asiático, cresce muito também o tráfico de crianças para fins de mendicância (3%) e de mulheres para servidão doméstica (1%).
Apesar dos discursos oficiais, dos numerosos relatórios elaborados e das políticas públicas implantadas para o enfrentamento, tem-se a impressão de que as sociedades contemporâneas tenham certa tolerância ou omissão sobre a questão do tráfico. Por vezes questões culturais e econômicas acabam legitimando práticas consideradas injustas, mas que, no fundo, "sempre existiram e sempre continuarão existindo”. Em outros termos, a erradicação do tráfico não implica apenas a libertação de pessoas escravizadas, mas se fazem necessárias complexas e profundas mudanças de práticas e cosmovisões culturais, bem como uma redefinição da racionalidade econômica.
Por outro lado, há também um complexo debate acerca das definições teóricas de "trabalho análogo à escravidão” ou acerca da distinção entre "tráfico de pessoas para fins de exploração sexual” e "livre prostituição”. Essas indefinições semânticas, por vezes, acabam dificultando a elaboração de políticas de enfrentamento e, principalmente, a identificação das vítimas.
Outro fator que prejudica o enfrentamento é a instrumentalização da luta contra o tráfico de pessoas com vistas a outras finalidades: às vezes, em nome da proteção das vítimas ou da luta contra o crime organizado legitimam-se a implantação de políticas imigratórias restritivas, confundido, propositalmente, traffickinge smuggling; outras vezes, utiliza-se o tráfico para desacreditar outros países, apresentando-os como origem ou meta de ingentes fluxos de pessoas traficadas ou como países indiferentes à problemática.
A impunidade também é frequentemente considerada como um fator que alimenta a prática do tráfico e, inclusive, a tolerância ou indiferença social em relação a este crime. Não é por acaso que nos últimos anos, no Brasil, várias empresas de ampla difusão nacional e internacional tenham sido acusadas de utilizar trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Finalmente, diante deste cenário muito pouco promissor, torna-se prioritário trabalhar na redução da vulnerabilidade das possíveis vítimas, tanto através da educação e da informação, quanto mediante a oferta de oportunidades para uma vida digna. Esta é também a opinião de irmã Estrella Castalone, da Congregação das Filhas de Maria Auxiliadora, que há anos luta contra o tráfico: "Trata-se de propor não apenas de ‘sair’ do tráfico, mas de dar oportunidades para que melhorem as condições de vida nas aldeias e nas cidades, para que os pais e as famílias possam ‘proteger’ seus filhos”.
[Fonte: Resenha 87].

Nenhum comentário:

Postar um comentário