quarta-feira, 25 de abril de 2012

Durante libertação de escravos, fiscais presenciam acidente com motosserra

Sem equipamentos de proteção, trabalhador cortou a própria perna. Ao todo, 15 foram resgatados em condições degradantes em duas fazendas no Piauí

Por Anali Dupré

Na fazenda, não havia ambulância ou equipamentos de primeiros socorros. Trabalhador foi resgatado pela equipe móvel que fiscalizava o local. Foto: Divulgação/MTE         

Integrantes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) presenciaram um acidente de trabalho durante inspeção realizada em março nas Fazendas Boa Esperança e Curralim, próximas ao município de Monte Alegre do Piauí, no Piauí, onde foram libertadas 15 pessoas em condições análogas às de escravos. Sem Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), um trabalhador perdeu o controle da motosserra que utilizava e cortou a própria perna. Ele foi socorrido pela equipe.
“Se nosso carro não estivesse lá, ele estaria desamparado. No local não havia rede telefônica, nem mesmo um carro do empreendimento para levá-lo ao hospital”, disse a auditora Márcia Albernaz Miranda, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que coordenou a ação. O trabalhador ferido socorrido pela equipe tem deficiência auditiva, que, segundo a fiscalização, pode ter sido provocada pela falta de protetores auriculares.
Trabalhador ferido
Além da ausência de equipamentos básicos de proteção, os fiscais identificaram diversas outras irregularidades trabalhistas e condições degradantes no desmatamento para abertura de pasto para gado. A extração de madeira servia para produção de carvão. Ambas as propriedades eram administradas por Vicente de Araújo Soares, arrendatário das fazendas.
À Repórter Brasil, Vicente disse que desconhecia a necessidade de equipamentos de segurança no uso da motosserra, afirmou já estar tomando providências para sanar as irregularidades encontradas e procurou responsabilizar os próprios trabalhadores pelas condições degradantes a que estavam submetidos. Segundo o empregador, eles teriam se sujeitado a viver em condições degradantes só para fazer a denúncia. "Foi por maldade de alguns", garante. 
Degradação humana
Os trabalhadores libertados foram encontrados em uma escola desativada, em alojamentos feitos de pau-a-pique e em barracos em péssimas condições. A escola era o único local que contava com banheiros, mas, como eles estavam sendo utilizados como depósitos, não podiam ser aproveitados. Sem instalações sanitárias apropriadas, nem mesmo fossas, os trabalhadores utilizavam as áreas externas ao redor dos alojamentos e baterias de forno como banheiro.
Monte Alegre do Piauí, onde foi feita a libertação             

Os demais alojamentos feitos de pau-a-pique e os barracos improvisados não possuíam portas ou janelas. Os trabalhadores estavam expostos a ataques de insetos como  escorpião, e a intempéries. Em sua defesa, o empregador Vicente afirma que, na realidade, o alojamento designado por ele para o grupo era a escola, que, segundo ele, apresentava espaço suficiente para abrigar todos. Ele diz que, por vontade própria, os resgatados haviam movido suas camas para locais sem condições. “Foram uns três ou quatro que se mudaram e fizeram as denúncias contra mim", afirmou, afirmando que sofreu uma "maldade". 
Nas duas fazendas, a água consumida era proveniente de um poço artesanal, sem qualquer tratamento. Ela era armazenada em tambores plásticos reaproveitados, com risco de contaminação. Assim como os trabalhadores que cortavam árvores, os forneiros que trabalhavam na produção de carvão não tinham acesso aos itens necessários para o desempenho seguro das atividades. Os resgatados trabalhavam com capacete em vez do chapéu árabe recomendado, e sem luvas e fardas. Os que operavam motoserra não contavam nem com óculos de proteção, nem com calças de malha de ferro.
Ao todo nas duas fazendas foram encontrados 28 trabalhadores sem registro na Carteira de Trabalho. Além dos 15 resgatados, que receberam seguro-desemprego, outros 5 pediram afastamento por falta grave patronal, obtendo rescisão indireta. No total o empregador deverá pagar R$ 50.000 de indenização por dano moral coletivo, além do valor das verbas rescisórias. Ele prometeu regularizar a situação e ficou de providenciar um novo alojamento.

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