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sexta-feira, 6 de julho de 2012
CAMPANHA DA FRATERNIDADE 2014 SERÁ CONTRA O TRÁFICO HUMANO
Fr Xavier Plassat & Francisco Alan Santos Lima – CPT, Campanha “De Olho aberto para não virar escravo”
O CONSEP (Conselho Episcopal Pastoral da CNBB) aprovou o tema da Campanha da Fraternidade 2014: “Fraternidade e Tráfico Humano”. A escolha foi no último dia 20 de junho. O tema foi proposto pelos Grupos de Trabalho (GT) de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e de Combate ao Trabalho e Escravo, da CNBB, grupos que envolvem entidades ligadas ao setor pastoral da Mobilidade Humana (como o Serviço Pastoral do Migrante ou a Rede “Um Grito Pela Vida” da Conferência dos Religiosos do Brasil) e às Pastorais Sociais (como a Comissão Pastoral da Terra). No final de 2011, os dois grupos se fundiram num só, traduzindo assim o claro entendimento de que estas realidades são distintas, porém inseparáveis. Desde 2010, seus integrantes sugeriam à CNBB uma próxima Campanha da Fraternidade voltada para essa temática, cada vez mais presente no mundo da globalização. Em apoio à demanda, foram feitas reuniões de mobilização, oficinas de capacitação e coletadas milhares de assinaturas. Com suas rotas nacionais e internacionais, o tráfico1 está à base da maioria das situações de escravidão moderna.
Estudo divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) no início de junho de 2012, propõe uma estimativa global do número de vítimas do “tráfico humano”, conceito que inclui o tráfico para trabalho forçado e o tráfico para exploração sexual2. Em que pese o desafio de apreender um crime praticado na clandestinidade, a OIT estima esse número em 20,9 milhões, sendo 1,8 Mi somente nos países da América Latina e Caribe: uma prevalência de 3,1 por mil, acima da média global. Do total mundial, a exploração laboral representa 78% (sendo 14,2 Mi pela economia privada e 2,2 Mi pelo Estado) e a exploração sexual, 22% (4,5 Mi); 74% das vítimas são adultos e 26%, crianças; 55% são mulheres, 45% homens; em 44% dos casos, essa exploração se dá no decorrer de uma migração, seja dentro do próprio país (15%) seja para fora do país (29%), percentagens que, no caso da exploração sexual, são bem diferenciados: 19% no país e 74% fora. Bem conhecido no campo brasileiro sob a figura do “gato”, o chamado aliciamento é um mecanismo encontrado sob todas as latitudes, tendo entre suas vítimas pessoas afetadas por uma ou várias características de vulnerabilidade da qual se aproveitam os traficantes.
Alvo de duas Comissões Parlamentares de Inquérito no Congresso Federal3, o tema do Tráfico Humano não poderia ser abordado em tempo mais oportuno: se a perspectiva de realização no Brasil de mega eventos, como a Copa do Mundo 2014 ou as Olimpíadas 2016, que trarão milhares de visitantes, reaviva a preocupação com o possível recrudescimento de práticas criminosas recorrentes no país, já é realidade consumada, de norte a sul, o rastro de trabalho escravo que acompanha o empreendimento de grandes projetos (como barragens, linhões, ferrovias e outras obras do PAC), a expansão das monoculturas do agronegócio (soja, cana, eucalipto) e o contínuo avanço da pecuária sobre a floresta. Eis uma realidade que não afeta somente o campo, mas sim a cidade: bolivianos e peruanos traficados para o Brasil são escravizados em oficinas clandestinas, a serviço inclusive de grifes famosas. A UNODC (Ofício da ONU sobre Drogas e Crime) estima em 140 mil, o número de pessoas – mulheres principalmente - traficadas e exploradas sexualmente em países da Europa. Entre elas, 13% são sul-americanas. A Espanha é um dos principais destinos, seguida de Itália, Portugal, França, Holanda, Alemanha, Áustria e Suíça. Dentro do Brasil, uma pesquisa identificou 241 rotas de tráfico para fins de exploração sexual4.
Segundo a OIM (Organização Internacional para Migrações), o tráfico de pessoas e o contrabando de migrantes5 estão crescendo na América Latina em função do boom da demanda e da tendência em importar trabalho barato em condições precárias.
Entre 2003 e hoje, a CPT identificou no Brasil cerca de 250 casos de trabalho escravo6 a cada ano, e as equipes de fiscalização do Ministério do Trabalho já resgataram mais de 38.000 trabalhadores, principalmente no campo: no roço de pasto, na produção de carvão vegetal ou em grandes lavouras. Em 2011 houve libertações em todas as regiões do país, num total de 2501 pessoas, sendo 613 delas em atividades não agrícolas.
Apesar das denúncias gritantes oriundas da Igreja desde o início dos anos 1970 e da mobilização de amplos setores da sociedade, o poder público brasileiro assumiu tardiamente a responsabilidade de enfrentar as várias formas de tráfico humano: Grupo de fiscalização móvel (1995), Plano nacional de erradicação do trabalho escravo I e II (2003 e 2008), Política e Plano nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas (2006 e 2008).
Pela intensa mobilização social e pelos instrumentos originais adotados para combater esse crime (fiscalização móvel, núcleos de enfrentamento ao tráfico de pessoas, lista suja, pacto corporativo e, recentemente, confisco da propriedade), o Brasil chegou a ser considerado como referência nesta luta por dignidade e liberdade. Por outro lado, considerando o enorme potencial disponível para afastar essa chaga, sua persistência constitui-se num escândalo para qualquer cidadão e para qualquer cristão.
Erradicar a chaga do tráfico humano exige muito mais que libertar suas vítimas imediatas; implica em arrancar suas raízes e eliminar os mecanismos que tornam possível sua reprodução: vulnerabilidade da extrema pobreza, ganância de agentes econômicos sem escrúpulo, permanência das desigualdades de gênero, impunidade selada em estruturas mortíferas.
No irmão traficado, na irmã escravizada, é nossa própria filiação divina que vem sendo negada. É a fraternidade que é abolida.
Oxalá a Campanha da Fraternidade 2014 possa acordar comunidades e autoridades do nosso país para uma vigilância redobrada e dinamizar o esforço coletivo para erradicar a chaga do tráfico humano em nosso meio!
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