sexta-feira, 4 de maio de 2012

‘crack-salário’ para cortadores de cana


A Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) vai pedir aos Ministérios do Trabalho, da Justiça e da Saúde uma inspeção em canaviais na região de Araraquara (SP) para investigar denúncia de que pedras de crack estão servindo de pagamento para cortadores de cana dependentes da droga. O assunto foi trazido aos senadores durante a audiência pública que, nesta quinta-feira (3), debateu o relatório da 4ª Inspeção do Conselho Federal de Psicologia (CFP) a centros de internação para usuários de drogas.
- Seria grave um fato dessa ordem e justifica pedir uma inspeção – disse o senador Wellington Dias (PT-PI) ao fim da reunião.
O autor da denúncia foi Anderson Lopes Miranda, do Laboratório de Estudos Vinculares e Saúde Mental, do Instituto de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Segundo ele, a irregularidade foi identificada pela Pastoral da Terra, em levantamento sobre as condições de trabalho nos canaviais.
Violações
Antes, o coordenador da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP, Pedro Paulo Bicalho, havia apresentado uma síntese do relatório em debate, divulgado em setembro do ano passado e produzido a partir de inspeção em 69 centros de tratamento em todo o país, mas conhecidos como comunidades terapêuticas. Ele apontou um quadro de violação aos direitos básicos dos pacientes nas instituições avaliadas, incluídas na inspeção a partir de denúncias registradas no site da entidade, dentro de programa denominado Observatório de Direitos Humanos.
- Grande parte dos acolhidos vive em situações que as entidades classificam como práticas de cuidado, mas que na realidade são medidas de violência – disse Bicalho.
Entre outros fatos, ele relatou o caso de um abrigo que obrigava os internos a cavar buracos, para que eles se mantivessem ocupados, considerando esta uma “medida terapêutica”. Além disso, mencionou como fato comum os internos serem forçados a adotar práticas religiosas alheias à sua fé e sofrerem repressão à sua condição sexual.
O mais grave seria a aplicação de castigos físicos aos que descumprem as normas estabelecidas. De acordo com Bicalho, um dos centros obrigava os internos considerados rebeldes a beber água recolhida no vaso sanitário.
Outro lado
Wellington Dias, que coordenou a audiência em substituição ao presidente da CDH, Paulo Paim (PT-RS), convidado para evento externo promovido por associação nacional de magistrados, elogiou o trabalho feito pelo CFP. Disse que muitas políticas públicas no país só avançaram após ações de fiscalização da sociedade organizada. Porém, ressalvou que o relatório não pode ser visto como um retrato do conjunto das comunidades terapêuticas.
O senador disse que já visitou cerca de 600 das mais de duas mil comunidades existentes em todo o país, atestando que há muitos centros de elevado padrão prestando assistência em um campo onde é necessária a atuação conjunta do Estado e da sociedade.  A seu ver, uma má leitura do relatório pode passar a idéia de que nenhuma comunidade terapêutica presta, “mas não é assim”.
- Tem muita coisa boa e não podemos deixar de reconhecer que milhares de pessoas já se beneficiaram, estando hoje em estado de abstinência – afirmou o senador.
Por sugestão de Wellington Dias, a CDH irá também levar ao governo um conjunto de propostas de ações para reforço das políticas de tratamento da dependência química. Uma delas é a proposta de que seja finalmente realizada a primeira conferência nacional para debater políticas relativas ao enfretamento da questão das drogas. Outra se refere à implantação de política de financiamento de ações nessa área, com base em 30% da receita dos tributos cobrados sobre a venda de drogas lícitas (bebida e cigarros).
Mão do Estado
O senador Paulo Davim (PV-RN), que é médico, defendeu o enfrentamento do problema da dependência química no país predominantemente por meio da “mão forte do Estado”. Disse ser lamentável que as ações sejam preponderantemente conduzidas pelas instituições filantrópicas, em grande parte com “viés religioso”, em razão da falta de infraestrutura da rede pública. Para Eduardo Amorim (PSC-SE), o governo está demorando em estabelecer uma política integrada que efetivamente funcione para prevenir, tratar e integrar socialmente as vítimas da dependência química.
O representante do Ministério da Saúde, Roberto Tykanori, salientou a importância de políticas que enfrentem a questão da droga em sua complexidade. Ele lembrou que a “guerra às drogas” que norteou as políticas de muitos países nos últimos dez anos era apoiada na tese de que a dependência “rompe o tecido social”.  Conforme assinalou, a própria ONU assume visão contrária: a droga e o crime emergem quando o tecido social se encontra rompido e prevalece um quadro de exclusão social.
Participaram ainda do debate Paulo Avelino, psicanalista da Sociedade Brasiliense de Psicanálise, e Nilton Vaz, professor do Conselho Distrital de Promoção dos Direitos Humanos do Distrito Federal.

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